“Eucaristia:
Sacramento da presença do Senhor, da unidade e do serviço”.
Antes de
cumprir o ato da nossa redenção; sua paixão, morte e ressurreição; Jesus, na
última ceia institui a expressão máxima da vivência da fé cristã: o Sacramento
da Eucaristia. Quero trazer aqui alguns pontos favoráveis à nossa reflexão
sobre o culto eucarístico na Igreja e a sua importância nos diferentes aspectos
da vida cotidiana. Recordarei aqui três pontos chaves que encontramos nas Escrituras
Sagradas e no catecismo da Igreja: A Eucaristia como sinal de unidade, de
caridade, e presença do Senhor entre nós.
Primeiramente,
a Eucaristia é sinal de unidade. Unidade com Cristo: “Quem come minha carne e
bebe o meu sangue permanece em mim e eu nele” (Jo 6,56). Tomar parte no
banquete eucarístico, portanto, é a forma mais íntima de união com Cristo. Mas
a Eucaristia também é forma de unidade com os irmãos: “Já que há um único pão,
nós, embora sendo muitos, somos um só corpo, visto que todos participamos desse
único pão” (1Cor 10, 17). Ou seja, a comunhão na Eucaristia nos coloca em união
com todos aqueles que professam a mesma fé que nós, formando o grande corpo
místico cuja cabeça é Cristo.
Deste
modo, desde o início, os cristãos se identificam pela participação na
assembleia eucarística: “Perseveravam eles na doutrina dos apóstolos, nas
reuniões em comum, na FRAÇÃO DO PÃO e nas orações” (At 2,42). Depois de ter
escutado a Palavra, partilhavam o pão entre si. Ao longo dos séculos a liturgia
passou por transformações, adaptações, mas sempre preservando esse aspecto
fundamental. Cristãos do norte e do sul, das diferentes denominações cristãs,
reúnem-se para, através da fração do pão, atualizar o memorial eucarístico em
união com todos os que partilham dessa fé.
Aqui se
encaixa perfeitamente o discurso da unidade dos cristãos. Vivemos ao longo da
história eventos e discussões que romperam com essa unidade perfeita. Ainda
hoje, diferentes igrejas se multiplicam, motivadas por muitas questões.
Certamente este não era o ideal pensado pelo Cristo. Na grande oração
sacerdotal de Jesus, ele roga ao Pai que todos os que creem sejam um só, para
que através dessa unidade, o mundo reconheça que ele é o enviado do Pai (cf. Jo
17, 20-23). Deste modo, percebemos o grande contra testemunho que todos nós
crentes temos dado. É preciso focar no que nos une, e não no que divide. É
verdade que o diferente nos incomoda, é natural do ser humano. Porém, e este é
o ponto chave, a fração do pão é sacramento de unidade. Vivê-la de modo
diferente disso é usurpação do seu significado. É preciso levar a sério a prece
eucarística: “E nós vos suplicamos que, participando do Corpo e Sangue de
Cristo, sejamos reunidos pelo Espírito Santo num só corpo” (OE II).
A partir
daí, entramos no segundo ponto: se a Eucaristia nos une a Cristo e aos irmãos,
ela faz comprometermo-nos com eles. Então ela é sinal da caridade, de serviço.
Aliás, antes mesmo de partir o pão, Jesus lavou os pés de seus discípulos,
simbolismo do menor dos servos, e os mandou que fizessem a mesma coisa:
“Dei-vos o exemplo para que, como eu vos fiz, assim façais também vós” (Jo
13,15). As escrituras Sagradas relatam esse modelo ideal de viver a Eucaristia:
“Todos viviam unidos e tinham tudo em comum. Vendiam suas propriedades e os
seus bens, e dividiam-nos por todos, segundo as necessidades de cada um” (At 2,
44-45). Similar a isso é o episódio da multiplicação dos pães, usado também
como alusão à Eucaristia. Não se trata do relato da ceia eucarística, mas da
preocupação de Jesus com a multidão que o seguia. O bem estar físico também
deve ser promovido. O pouco oferecido com amor é multiplicado para todos e “todos
comeram e ficaram fartos” (Mc 6, 42).
A
caridade é uma virtude muito exaltada por Jesus. São Paulo mesmo afirma que
subsistem a fé, a esperança e a caridade, “porém, a maior delas é a caridade”
(1Cor 13, 13). E aqui a palavra caridade pode ser substituída pela palavra amor.
O amor mais perfeito do qual trata o mandamento de Jesus é o do amor-caridade. Caridade
perfeita e sincera, pois o mesmo São Paulo alerta que de nada adianta dar todos
os bens aos pobres sem a presença desse sentimento. É, portanto, uma atitude
mais íntima e profunda. É preciso entender o gesto, e fazê-lo de forma
espontânea. Do contrário será apenas cumprimento de preceito, sem a verdade do
espírito. A Eucaristia, sacramento máximo desse amor extremo de Jesus por nós,
nos impele a experimentarmos esse amor e praticá-lo com sinceridade. Portanto,
comungar extrapola ao ato ritual. Não é apenas receber Cristo na comunhão e
adorá-lo em seus adornados sacrários. É, a partir daí, viver como ele ordenou,
sendo servo de todos.
Para que
todas essas coisas se cumpram de fato, devemos entender um terceiro ponto que é
a base de todos os outros e sem o qual o resto é demagogia. A Eucaristia é
presença real por excelência de Cristo. Na narrativa do juízo final no
evangelho de Mateus, Jesus elenca uma série de situações onde, servindo aos
pequenos e sofredores deste mundo, estaríamos servindo a ele mesmo: “Todas as
vezes que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, foi a mim
mesmo que o fizestes” (Mt 25, 40). Com isso entendemos que ele se faz presente
em todos nós. Por isso servir aos irmãos é também servir à Cristo presente
neles. No entanto, a Eucaristia é sua presença por excelência, pois ele se dá
em alimento que fortalece à vida cristã. “Se não comerdes a carne do Filho do
Homem, e não beberdes o seu sangue, não tereis a vida em vós mesmos” (Jo 6,
53). Aqui coroamos os dois primeiros pontos, pois alimentando-nos de seu
verdadeiro corpo e unidos a ele e aos irmãos, somos impelidos a servir uns aos
outros.
O pão e
vinho não deixam de ser pão e vinho pela consagração do sacerdote. Não é isso
que a palavra transubstanciação quer dizer. A matéria permanece a mesma. Porém,
esse pão e vinho “eucaristizados” são agora, verdadeiramente e não
simbolicamente, corpo e sangue de Jesus. Em todas as narrativas da instituição
sacramental da Eucaristia, Jesus diz “Isto é o meu corpo! Isto é o meu sangue!”.
Ele não diz isso simboliza meu corpo e sangue. E ainda, institui a Eucaristia
como memorial de sua entrega na cruz. Memorial aqui não quer dizer fazer
memória, lembrar de um fato passado. Mas, na perspectiva judaica, é atualizar,
tonar presente o mistério que se celebra. A Igreja crê verdadeiramente que em
cada celebração eucarística, ao consagrar a matéria do pão e vinho, ali se
torna presente o corpo e sangue do Senhor. Como anuncia a própria oração
eucarística: esse é o mistério da fé. Mistério do amor perfeito de um Deus tão
grande que, morto e ressuscitado por suas criaturas, se faz tão pequeno nas
espécies frágeis do pão e vinho consagrados. A Eucaristia é presença do Senhor
ressuscitado, pois se Cristo não tivesse ressuscitado, vã seria nossa fé (cf.
1Cor 15,14).
Mas é
preciso ter cuidado para não transformar o pão e vinho consagrados em um
elemento mágico, como um ritual pagão. Se cai no risco de assim estabelecer com
Cristo um relacionamento romantizado, demasiadamente emocional e até mesmo
idolátrico. Uma fé que nos leve somente a contemplar o mistério, é superficial.
E aqui alguém poderia questionar que quando Jesus estava em casa de Marta e
Maria, e Marta se ocupava com o serviço e afazeres da casa em contradição à
Maria que se dedicava à escutar o Mestre, Jesus repreende à Marta, dizendo que
Maria escolheu a melhor parte (cf. Lc 10, 38-42). O simbolismo aqui é mais
profundo. Para ser servidor autêntico do reino, é necessário primeiro assumir a
atitude de discípulo, que aos pés do mestre aprende e se aprofunda sobre o
caminho do reino. Do contrário se cai no risco de desviarmos do sentido
autêntico do serviço. Devemos avançar para águas mais profundas. Quem escuta e contempla
de verdade entende que a fé se manifesta pelas obras, afinal a fé sem obras é
morta (Tg 2,14-16). Na montanha sagrada, quando Jesus se transfigurou diante
dos discípulos, Pedro quis fazer três tendas e permanecer ali, pois aquela
visão era demais maravilhosa (Lc 9, 28-36). Porém, é necessário descer da
montanha e anunciar tal maravilha aos irmãos. É necessário, depois de ter
experimentado a grandeza do mistério, construir o reino no meio do povo.
Muitos
ainda são os aspectos que poderíamos trazer para meditar sobre a Eucaristia.
Tão grande dom não se esgota de significado em poucas palavras. O que importa
aqui é que, através de uma devoção eucarística dotada de sentido substancial,
possamos viver nossa fé de maneira concreta, excluindo os individualismos e
fundamentalismos. Quem participa de verdade do Banquete Eucarístico compreende
essas coisas, não se fecha em si mesmo, mas faz de toda sua vida uma autêntica
comunhão.
MarcoPRB
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