Sermão do Encontro 2021

 


Proferido pelo Papa Júlio na Praça do Santuário do Rosário em 16 de março de 2021

Reunimo-nos hoje para, mais um ano, meditarmos este histórico encontro de Jesus com sua Mãe Santíssima a caminho do Calvário.

Alguém poderia se questionar o porquê de nós católicos relembrarmos uma cena da paixão que nem mesmo foi deixada escrita nos evangelhos. Porém, é preciso recordar que nós não somos uma religião que segue um livro, mas a pessoa de Jesus. A piedade e a tradição do povo fiel, conservou na memória este piedoso e doloroso encontro do Divino Redentor com sua mãe puríssima, no momento definitivo de sua entrega. Assim como Maria foi entrega total na encarnação do Verbo, ela o é também no momento de seu sacrifício. Ela entrega seu amado Filho, para que nós recebêssemos a filiação divina e a salvação eterna.

Meus irmãos e irmãs, olhemos confiantes para Maria. De presença discreta, mas fundamental, na história da salvação, seus gestos simples, humildes e silenciosos nos evangelizam mais do que qualquer sermão. Na narrativa da Paixão, o Evangelista São João se resume a dizer que junto à cruz de Jesus, estava de pé a sua mãe. De forma poética, lemos esta passagem como testemunho de força e fidelidade ao projeto de Deus que Maria nos dá. Ela permanece de pé! Não em atitude de derrota, de vencida. Não em atitude de escândalo, de lamúrias. Mas de pé, como quem entende e resigna-se com o que Deus lhe reservou. Ela sabe que seu Divino filho não era só seu. O verbo eterno se encarnou para nós, para a salvação de toda humanidade. É seu sacrifício redentor no altar da cruz que fomos resgatados. Maria ratifica esta oferenda, entregando seu Filho a Deus, entregando seu filho aos homens.

Ah meus queridos irmãos e irmãs! Como precisamos aprender com nossa mãe Maria! Precisamos aprender com ela o fiel seguimento de Jesus, aceitando nossas cruzes diárias, não com lamentações e resmungos, mas com amor de quem entende sua missão. E neste sentido, é preciso parar para refletir: que tipo de relação com Deus eu estou desenvolvendo? Muitas vezes podemos cair no erro de transformar a Igreja e a Religião num grande Shopping Center da fé: Eu vou, escolho o que me agrada, descarto o que não quero. Vou para adquirir graças e favores, e nunca para me doar. E então, assemelhamo-nos aos hipócritas mestres da lei e doutores do tempo de Jesus: acabamos por viver de modo totalmente contrário ao que nossa fé nos ensina.

Olhemos agora para Jesus! Condenado num injusto e armado julgamento, é agora levado como ovelha ao matadouro, como mais imundo e perverso ser humano. Traído, negado, rejeitado e espancado, o Filho do Homem será morto pelas mãos dos mesmos que ele irá salvar! Que mistério tão grande e inefável de um Deus que abaixa-se em sua onipotência à nossa pequenez, e aceita livremente se entregar a morte. Entre os deuses todos dos pagãos, nenhum é capaz de desfazer-se de tal maneira. Ao contrário, em todas as mitologias vemos deuses cruéis e vingativos, que punem com mão forte seu povo desviado. Essa seria uma ação mais lógica. Para quê se entregar de tal forma por quem não se importa comigo? Mas o nosso único e verdadeiro Deus é assim. Ele não age conforme nossa lógica mesquinha e vingativa. O Deus que Jesus nos revela é amor. Amor-doação, entrega total. Te batem numa face? Pois ofereça a outra! Te tomam a túnica? Dê-lhe também o manto! Te obrigam caminhar um quilômetro? Caminha dois com ele!

Ah meus irmãos e minhas irmãs! Como estamos carentes desta lógica cristã em nosso mundo! Nos dizemos seguidores do Cristo, mas em nada nos aprecemos com ele. O que importa neste mundo é o lucro, o poder pelo poder, a exploração do outro, desde que eu seja beneficiado por isso... Até mesmo na Igreja, que deveria ser sacramento da reconciliação, é tantas vezes instrumento de tortura e perseguição na vida de tantos. E aqui entendam por Igreja, eu e você. A Igreja não é uma instituição humana ou um templo de pedra. Mas a Igreja somos todos nós batizados, renascidos em Cristo, salvos por sua cruz e ressurreição! É preciso voltarmo-nos para o Mestre Jesus e aprender com ele o real seguimento. Ele que acolhe os pecadores e excluídos de seu tempo; ele que chora a morte de seu amigo; ele que se compadece da multidão faminta; ele que se revolta com a transformação da Casa de Deus em lugar de comércio; ele que abraça livremente sua cruz e condenação, nos ensina a desprendermo-nos de nós mesmos. Ser uma Igreja samaritana, uma Igreja em saída. Tornar a Igreja uma imagem do Coração do Pai, que não se fecha a nenhum de seus filhos.

E nesta cena tremenda que contemplamos, esses dois olhares se cruzam: o de Jesus e o de Maria! Nada falam! Nada fazem! O amor que emana destes dois santos Corações já faz tudo. Enquanto a mãe encoraja o filho, o filho fortalece sua mãe! MÃE, EIS AÍ TEU FILHO! FILHO, EIS AÍ TUA MÃE! Como não nos comover com tamanho espetáculo desumano de crueldade? Sintamos esta mesma tristeza e indignação por tanta maldade e desumanidade que permeia nosso cotidiano. Que ao contemplar o encontro na via do calvário de Jesus com sua mãe, sejamos estimulados a ir ao encontro de Jesus com sua mãe nas vias dolorosas de hoje. De tantas Marias jogadas às ruas com seus filhos no colo, não tendo onde morar. De tantos Jesus condenados à discriminação e ao preconceito por sua raça, gênero, condição social e até mesmo religiosa. Como não se compadecer e indignar quando as autoridades constituídas, frente uma pandemia que ceifa a vida de milhões, continua obstinadamente a insistir em seus erros e convicções superadas? O Mistério da Paixão de Cristo de dois mil anos atrás continua presente e atual!

No nosso atual contexto pandêmico, podemos correr o risco de fraquejar na fé, frente a tantas incertezas e manipulações da verdade. Mas é preciso não perder de vista o horizonte fundamental da fé, onde o Cristo deixa-se encontrar. Termino proferindo um Poema escrito pelo Arcebispo de Lima e Peru à luz da atualidade que vivemos. Ele nos comove e nos relembrar o verdadeiro modo que o Senhor se deixa encontrar:

 

“Quem contou essa história,

que o Cristo este ano não sai?

Se Ele está vestido de branco,

de azul, ou verde, no hospital?

 

Quem disse que o Nazareno

não pode fazer penitência?

Se todos estão atendendo

doentes nas emergências?

 

Quem diz que ninguém

há de encontrar Jesus caído?

Veja-o nem cada médico

caindo exausto, rendido.


São humildes Cirineus

ajudando a cada passo:

socorristas, enfermeiras,

sem descanso, lado a lado.

 

Como em Jerusalém, em um jumento

entrou o Cristo montado.

Assim os caminhoneiros, noites e noites acordados,

abastecem hospitais, farmácias, supermercados.

 

O exército e a polícia

patrulham as desertas ruas.

Cuidam das nossas famílias

ficando longe das suas.

 

E eis que, também no campo,

Jesus semeia a terra, prostrado.

Cuida torres de energia, cava poços,

do mar nos traz o pescado,

colhe hortaliças e pastoreia o gado.

 

Que ninguém diga que o Senhor

não está nas ruas presente.

Quando, em igrejas solitárias,

os padres celebram missa diariamente.

 

Que ninguém diga este ano,

“às ruas não sairá o Crucificado”.

Enquanto há uma voz serena

falando com encarcerados.

 

Ninguém fale que o Nazareno

“este ano não sairá em procissão”,

enquanto há vidas tão plenas

de amor em seu coração.

 

Com bom humor e sorrisos,

embora, o olhar fatigado,

é Jesus quem nos atende nos caixas

das farmácias e mercados.

 

Num caminhão, todo dia,

de verde e branco pintado,

Jesus recolhe o nosso lixo

e vai embora sem ser notado.

 

Quando vejo tanta gente

enterrando seus queridos, sem receber um abraço.

Nossa Senhora da Piedade também sai

das favelas com seu filho nos braços.

 

E embora nos assuste

esse isolamento sepulcral.

Na solidão, está a fortaleza

daquele que venceu todo mal.

 

Talvez, não será em imagens esculpidas,

Que Jesus virá em procissão.

Mas estará em mil faces, sem velas ou soar de sinos,

homenageado com o incenso de pessoas de bom coração.

 

O amor derruba os muros,

corações não têm fronteiras.

Esta será a Semana mais Santa,

de todas, a mais verdadeira”.

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